Gentileza Gera Gentileza

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Tiririca


Como o blog não fala de política, vamos falar de botânica.

Existe uma praga na agricultura brasileira que se chama “Cyperus Rotundus”.

Veio para cá em vasos de plantas ornamentais importadas no tempo do império.

Ela suga o alimento das plantas, abafa algumas outras quando são pequenas, e produz toxinas alelopáticas que prejudicam as lavouras.

Essa praga tem raízes profundas, que a cada tantos metros têm uma “batatinha”.

Se você aplica um herbicida para acabar com a malévola criatura, as batatinhas se desligam antes do veneno chegar, e tornam-se sementes, cada qual gerando uma nova planta.

Aprendeu-se, na lavoura, que o único jeito de combater essa praga é não deixando que ela chegue na área, e para tanto toma-se o cuidado de lavar bem as máquinas que andaram em locais infectados.

Caso ela já tenha se instalado, têm-se que aplicar técnicas variadas, herbicidas diferentes, sombreamento, e outros métodos muito caros.

Ou seja, cuidado e conhecimento são as armas contra ela.

Essa praga se chama popularmente de TIRIRICA.

E Tiririca só acaba com muita cultura!



terça-feira, 17 de agosto de 2010

Aula inaugural


É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis como na guerra do Paraguai...
Mas eram bem falantes
E todos os seus gestos eram ritmados como num balé
Pela cadência dos metros homéricos.
Fora do ritmo, só há danação.
Fora da poesia não há salvação.
A poesia é dança e a dança é alegria.
Dança, pois, teu desespero, dança.
Tua miséria, teus arrebatamentos,
Teus júbilos
E,
Mesmo que temas imensamente a Deus,
Dança como David diante da Arca da Aliança;
Mesmo que temas imensamente a morte,
Dança diante da tua cova.
Tece coroas de rimas...
Enquanto o poema não termina
A rima é como uma esperança
Que eternamente se renova.

A canção, a simples canção, é uma luz dentro da
[noite.
(Sabem todas as almas perdidas...)
O solene canto é um archote nas trevas.
(Sabem todas as almas perdidas...)
Dança, encantado dominador de monstros,
Tirano das esfinges,
Dança, Poeta,
E sob o aéreo, o implacável, o irresistível ritmo de
[teus pés,
Deixa rugir o Caos atônito...

Mario Quintana

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O Velho do Espelho

"Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai – que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar – duro – interroga:
“o que fizeste de mim?!”
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste ,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra! –
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste..."

Mario Quintana

terça-feira, 5 de janeiro de 2010



Estávamos em Santiago e iríamos para Mendoza, logo alí atrás dos Andes.
"Vocês querem que a van do trekking venha buscar vocês?" perguntou-nos o cunhado, que tinha ido fazer uma expedição no Aconcágua.
"Claro que sim" respondemos entusiasmados, já que isso consistia em um problema a menos para resolver.
Depois de uns dias passeando, avisamos o porteiro do hotel que logo uma van viria nos buscar.
Aguardavamos no quarto quando toca o telefone - "Don Gomes", "Sí?" disse eu.
"Su transporte" disse a voz séria e grave do bell boy do hotel.
Descemos alegres, com as malas, os dois bem arrumadinhos para viajar e cruzar os Andes.
Bem na frente do hotel, em meio aos carros modernos e bem conservados que hoje trafegam em Santiago, junto a BMW's, Audis, e Mercedes, encontramos, garboso e repimpado, um Peugeot argentino com mais de vinte anos de idade. A pintura desbotada, umas manchas de massa, de batidas reparadas sem pintura, e o parachoque amarrado com arame.
Em posição de sentido, ao lado do noso "transporte" (agora eu entendia o eufemismo), um motorista perfeitamente de acordo com "El Auto".
Um senhor baixote, pele tostada, cabelos cinzentos, roupa velha, e um simpático sorriso por onde se percebia a nada discreta ausência de alguns molares.
Não preciso dizer a pressa com que tratei de embarcar naquela lata velha, e sair de perto da turma de bacanas que nos olhavam de cima, como se fossemos uns hóspedes expulsos do hotel por não pagar as contas.
Bem, os bacanas eram nada mais nada menos do que a normal população de porta de hotel. Motoristas de taxi, porteiros, faxineiros, etc., Chilenos que a essas alturas se sentiam milhões de vezes melhores que os argentinos, que naquele momento eram representados por nós, o casal que ia embarcar para Mendoza no Peugeot que, de tão velho, deve ter transportado até Carlos Gardel.
Iniciada a viagem, fomos conversando com o motorista, cujo nome esquecí, e que se revelou simpaticíssimo.
Disse que fazia o trajeto diariamente, trazendo e levando passageiros, encomendas, documentos, etc.
Que o "auto", apesar de velho, estava em excelentes condições, e que tinha um carburador especialmente regulado para que não sofresse falta de ar lá nas alturas dos Andes. "No se vá apunar", dizia ele.
A viagem transcorreu sem maiores novidades, além da majestosa beleza daquelas montanhas que me apaixonam, e donde, eu tenho certeza, vem parte do meu sangue.
Chegamos então à fronteira, onde carimbamos a saída do Chile em nossos passaportes, e rodamos um pouco mais, inclusive o longuíssimo túnel, para chegar ao "Complejo de Los Horcones", que é uma estrutura grande que cobre a praça de cabines da imigração e alfândega Argentinos.
Havia uma grande fila.
Na nossa frente, vários carros e alguns ônibus de turistas europeus, os quais chamavam especialmente a atenção.
Todos jovens, altos, de cabelos louros, equipamentos de fotografia, filmagem, roupas de exploradores modernos, tudo cheirando a novo, e à riqueza do primeiro mundo, num forte contraste com a pobreza das paragens e do povo locais.
Parado o carro, Bel e eu nos acomodamos para o que seria uma longa espera na fila.
Eis que o nosso desdentado motorista, que tinha saído do carro, volta e nos diz para pegarmos nossos documentos e seguí-lo.
Passamos ao lado de vários guichês onde se organizavam em filas comportadas aqueles turistas vikings, e fomos até um que estava vazio.
Assim que chegamos, surgiu um funcionário, acendeu a luz, pegou nossos passaportes, carimbou sem nem olhar direito, devolveu, apagou a luz e se mandou.
"Para el auto", disse "nuestro condutor", vamos embora que ainda temos que almoçar.
Agora vem uma das melhore partes.
Uma vez dentro do carro, o motorista fez umas manobras, saiu da fila, e começou a circundar o imponente Complejo.
Encontramos, logicamente, um alta cerca, um tipo de alambrado, munido daquela coisa cheia de farpas no alto, chamada concertina, e que dividia a terra de ninguém que fica entre os dois países, da maravilhosa terra de nuestros hermanos.
No ponto onde a cerca tocava a parede do prédio, havia uma discreta mas conveniente abertura, por onde o carro passou.
Passou meio justo, mas passou sem problemas.
A etapa seguinte foi entrar de marcha a ré na alfândega argentina.
Aberto o porta-malas, mais um funcionário argentino, que usando o antigo sistema do rabisco com giz, liberou nossas bagagens sem nenhuma inspeção.
Quem disse que os Argentinos não são gente boa?
Fiquei no auge do contentamento. Nosso bagaço sobre rodas parecia uma limousine Rolls Royce percorrendo o Boulevard des Champs Elisées, enquanto o primeiro mundo, em pé, na fila, observava.
Em seguida paramos em um restaurante de beira de estrada, num lugar chamado Uspallata, já que quando chegássemos a Mendoza estaria tudo fechado.
Temos que comer, dizia nosso guia, agora quase um guia espiritual, um verdadeiro herói dos Andes.
No restaurante ele nos olhou e falou, rapidamente e um por vez, "bife de chorizo?", "bife de chorizo?", "sí, por supuesto" dissemos, "e para usted tambien".
O homem sumiu na cozinha, um garçom nos acomodou numa das mesas, cujas toalhas eram folhas de papel manteiga, e quinze minutos depois voltaram, com o melhor "bife de chorizo" que já comemos até hoje.
Era tão macio que o nosso amigo comia sem problema nenhum, apesar da falta dos mastigadores.
O melhor da festa foi o final, quando acabávamos de comer, ver a chegada dos ônibus dos turistas europeus, varados de fome, formando uma fila comportada na porta do restaurante lotado.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Poema De Natal




Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

domingo, 20 de dezembro de 2009

Nórfu e a interpretação dos sonhos

Certo dia, estava eu andando pela lavoura de altos e densos pés de café, verificando o andamento de um serviço de capina.
A exuberância da folhagem me permitiu chegar sem ser visto ou ouvido ao colóquio que mantinham o Nórfu (Onofre nos documentos) e um outro cujo nome esqueci.
Enquanto o Nórfu preparava um “palheiro”, picando o fumo miudinho com o canivete, seu companheiro de diálogo amolava a enxada com uma lima velha, preparando o instrumento e descansando, física e mentalmente, do complexo trabalho da capina de café.
Diga-se, de passagem, que não é qualquer um sem noção que logra sucesso em encabar uma enxada no ângulo correto, num cabo de guatambu (se encontrar a preciosa madeira), no peso adequado, amolá-la, e manobrá-la do jeito certo, para que corte o mato sem esforço, não fique enterrando no chão o tempo todo, e não canse os braços em demasia por causa do peso. Não senhor, isso é assunto complexo, para profissionais, e aprendido à custa de tempo e sofrimento caloso nas mãos.
Lá vou eu desviando o assunto para as coisas velhas da lavoura, por que esse assunto de enxada é coisa do passado, luxo de antigamente onde a mão de obra era barata, o ar era limpo e o sexo era considerado sujo.
Cortando o fumo nas grossas mãos, o Nórfu falava para o companheiro sobre o terrível pesadelo que tivera naquela noite.
O demônio, sim, em pessoa, o tinhoso, o esquerdo, o asmodeu, o canhoto, o cramunhão, o satanás, o belzebu, Lúcifer o arcanjo caído.
O diabo, enfim, cutucava o Nórfu com o tridente, que numa corruptela de forcado, é chamado aqui de fôrca. Fosse a ferramenta uma fôrca dos dentes curvos, como garras, para puxar feno ou algodão secando no terreiro, levaria o sugestivo nome de “gadanho”.
“Pois é sô Inácio (fica bom este nome), eu tava todo enroladinho nuns pano amarrado, na beradiquinha dum precipíçu, e o dêmo mi carcava a fôrca na bunda pra módi d’eu caí”.
“E aí Nórfu?”
“E aí qui eu caí. Espenquei na goela do buracão dos môrto mai graças a nossinhor Jesus Cristo acordei , bufando, na minha cama, zóião arregalado, todo enrolado no lençór”.
“Foi aí que eu si dei conta do porquê do sonho. Fui vê o que tava me cutucano a bunda, e era a minha lima de amolá enxada”.
Felizmente o Nórfu, além de valente capinador, é um exímio interpretador de sonhos, não sei se de linha freudiana ou jungiana, esta com toda a sua peculiar simbologia.
Esse cidadão, que foi dormir sem tomar banho, usando a roupa do dia anterior, com a lima no bolso, e certamente também o fumo e o canivete, positivamente bêbado, é um tipo de trabalhador rural que vive só.
Eventualmente tem a companhia de outro homem, irmão, parente, ou só amigo.
Invariavelmente, tem um cachorro.
E como é forçado a lavar e costurar as próprias roupas, o que geralmente faz mal e porcamente, e a cozinhar para si, também sem muita habilidade e higiene, diz-se dele que “queima lata”.
Veio daí minha compreensão da sociedade conjugal primitiva, onde ele entra com a força bruta, a intrepidez na obtenção de recursos para o lar, e ela entra com a roupa lavada, a comida, os cuidados com a prole, e o sexo.
É isso aí, o sexo romântico na vida dessas mulheres cansadas, atarefadas e sobrecarregadas tem muito pouco de prazer, e muito de obrigação.
“Cê vai mi usá hoje Zé?”
“Não? Que bom, então vô lavá só os pé!"


Antonio Gomes

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

POEMA DE FINADOS

.
"AMANHÃ que é dia dos mortos
Vai ao cemitério.Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.
O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero,
E em verdade estou morto ali."

Manuel Bandeira